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ARTIGOS Quarta-feira, 07 de Maio de 2025, 09:45 - A | A

Quarta-feira, 07 de Maio de 2025, 09h:45 - A | A

Cristhiane Athayde

Mães empreendedoras: o legado que ninguém vê

Cristhiane Athayde
Tv Única

No debate sobre empreendedorismo feminino, existe uma narrativa subterrânea que raramente chega à superfície: a realidade das mães que empreendem não por escolha estratégica, mas por necessidade existencial. 

Sou mãe de quatro filhos e empreendedora. Esses dois mundos não se tocam ocasionalmente – colidem diariamente, às vezes violentamente. É dessa colisão que nasce uma economia invisível aos olhos do mercado tradicional e das estatísticas oficiais. 

Para muitas mulheres, empreender não representa liberdade geográfica, autonomia financeira ou realização pessoal – inicialmente, é a única arquitetura possível para uma vida em que ser mãe e profissional não seja uma equação impossível. 

Quando o mercado exige presença integral e inflexível, a maternidade exige presença fracionada, mas constante. Entre esses dois modelos irreconciliáveis, o empreendedorismo surge não como sonho, mas como o caminho viável. 

Existe um PIB produzido em horários que nenhuma planilha contabiliza. É o trabalho executado de madrugada, quando a casa silencia. São e-mails respondidos ao amamentar, estratégias desenvolvidas no trajeto escolar, negociações conduzidas em estacionamentos de hospitais pediátricos. 

Este é um mercado paralelo que gera bilhões, mas que não aparece nos índices. Uma economia construída nos interstícios da vida familiar, nos momentos de "entre": entre uma tarefa e um treino de futebol, entre uma emergência infantil e outra, entre um aniversário e uma apresentação de negócios. 

O empreendedorismo materno carrega uma variável ausente para muitos: a culpa. Ela opera como taxa de juros emocional sobre cada minuto dedicado ao trabalho que poderia ser para os filhos, e sobre cada momento com os filhos que poderia fazer o negócio crescer. 

Isso cria um paradoxo: mesmo quando o empreendedorismo é a solução encontrada para estar mais presente, ele se torna fonte de ausência. E na impossibilidade de resolver esta equação impiedosa, muitas mulheres adotam como estratégia trabalhar mais, dormir menos, e aceitar que perfeição não faz parte do vocabulário. 

Tanto que o capital da empresa materna tem uma coluna extra: resiliência. É a capacidade de pivotar em segundos quando a babá cancela, de conduzir reuniões com uma criança febril no colo, de reformular estratégias inteiras entre um dever de casa e outro. Esta resiliência não é só um traço de personalidade. É um ativo econômico tangível. 

Como especialista em propriedade intelectual, protejo o ativo intangível – a criatividade que emerge em paralelo à capacidade de fazer muito com pouco, de maximizar minutos, e desenvolver uma inteligência contextual que apenas nasce sob pressão constante. Blindo justamente os legados construídos contra todas as probabilidades. 

E não. Mães empreendedoras não são heroínas de exceção. São mulheres que estão inadvertidamente reinventando modelos de negócios para que estes comportem a humanidade, a fragilidade e a imprevisibilidade que fazem parte da maternidade real – não a romantizada.   

Enquanto construímos negócios e inovamos, educamos a próxima geração sobre resiliência e autodeterminação. Nossos filhos aprendem que sistemas podem ser recriados; impossibilidades podem ser desafiadas; e que o cuidado é parte intrínseca da economia, não seu opositor.   

O que proponho aqui não é apenas reconhecimento – embora este seja necessário –, mas uma reflexão. Para que o trabalho reprodutivo (criar humanos) e o trabalho produtivo (criar valor econômico) não sejam mais tratados como mundos separados e antagônicos. 

Afinal, a pergunta não é se é possível ser mãe e empreendedora simultaneamente. A pergunta é: o que seria da economia se todas nós desistíssemos?

*Cristhiane Athayde, empresária e diretora da Intelivo Ativos Intelectuais

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