Falar sobre o Setembro Amarelo sempre me faz refletir sobre a importância da campanha, mas também sobre o quanto ainda precisamos avançar. Como alguém que já enfrentou profundas dores emocionais, que escreveu e publicou livros sobre saúde mental – não para falar sobre morte, mas para exaltar a vida – e que hoje se dedica a palestrar e levar compreensão sobre esse tema, não posso me calar diante das fragilidades da forma como o Setembro Amarelo tem sido conduzido.
Os números não mentem: entre 2010 e 2021, enquanto o Setembro Amarelo esteve em vigência, o Brasil registrou um aumento de 42% na taxa de suicídios. Não só isso, há evidências que apontam para um crescimento das ocorrências justamente no mês de setembro. Isso quer dizer que, apesar de toda a mobilização, ainda estamos falhando. Eu me pergunto então: o que tem dado errado?
O problema é que o Setembro Amarelo, que nasceu para salvar vidas, se tornou mais uma "trend". Empresas, escolas e até indivíduos nas redes sociais pintam o mês de amarelo com frases como “você não está sozinho” e “peça ajuda”. Mas onde está a ajuda real? Onde estão as mãos estendidas de verdade quando as câmeras não estão ligadas? Ao longo dos anos, vi muito do que deveria ser empatia se transformar em marketing. O que deveria ser um espaço de acolhimento virou um balcão onde se comercializam camisetas, lacinhos, cursos e até chocolates de embalagem amarela, enquanto o sofrimento humano é negligenciado.
Mas saúde mental não se trata de slogans e ações pontuais. Saúde mental é sobre continuidade, cuidado diário, preparo de quem realmente pode ajudar e, acima de tudo, escuta e compreensão genuínas. O modelo atual – inspirado em campanhas que funcionaram para controlar doenças infectocontagiosas – não funciona para algo tão complexo como a mente humana. O suicídio não é uma “doença” que se pode erradicar com vacinas ou discursos prontos; ele é um reflexo de um sistema que falha em proteger, acolher e oferecer dignidade àqueles que mais precisam.
Eu também falo com quem sente que este é um mês difícil e insuportável. Ouvi de pessoas enlutadas que o Setembro Amarelo traz gatilhos e não paz. Ouvi de quem ainda luta contra a ideação suicida que tudo isso parece vazio, porque frases de efeito não preenchem um coração em pedaços.
Por isso, digo aqui: o Setembro Amarelo continua sendo essencial. Precisamos de campanhas, sim, mas precisamos mais ainda de verdade, de continuidade, de políticas públicas, de empresas e instituições que façam e sejam mais do que marketing. É preciso ouvir as dores, acolher sem julgamento e lutar, todos os dias, para oferecer vida e esperança para quem já não enxerga um amanhã.
A quem está lendo isso, eu peço: vamos juntos aprimorar o que já existe! Vamos transformar cada “você não está sozinho” em uma escuta real, em um gesto genuíno, em braços abertos preparados para acolher e ajudar. A campanha é importante, mas seu impacto só será verdadeiro se ultrapassarmos a superficialidade e tocarmos as pessoas de forma real e honesta.
Porque, no final, não estamos falando de morte. Estamos falando de vida. E toda vida importa.
Alan Barros - Escritor, Terapeuta e Palestrante de Saúde Mental, Ativista do Setembro Amarelo, Embaixador Nacional do Janeiro Branco, Idealizador do Grupo de Apoio #Fale, e Produtor da Peça Teatral sobre Saúde Mental, TO OFF. E AGORA?